Bispo do Porto: “nenhum ser humano recebeu Deus só para si”

Para muitos, o nome Sartre é sinónimo de uma pura negação: de Deus, do ser, do próprio homem. No seu niilismo, nada tem sentido, nada faz sentido: o mundo, a existência, a vida, tudo é um absurdo que só gera… náusea.

Curiosamente, de acordo com um belo texto que me enviaram, em 1940, no tempo da guerra, encontrando-se preso num daqueles espaços que dariam origem aos tristemente célebres campos de concentração, quando as circunstâncias o reconduziram às razões da existência e à pergunta sobre o sentido da vida, escreveu um auto de Natal para ser representado na própria cadeia. Ele mesmo terá sido um dos atores.

Nessa peça, aparece, a dado momento, este parágrafo a respeito da relação entre a Virgem Mãe e o Verbo encarnado: “Olha-O e pensa: ‘Este Deus é meu menino, meu filho. Esta carne é a minha carne, é feito de mim, tem os meus olhos e a forma da sua boca é semelhante à minha, parece-se comigo. É Deus e parece-se também comigo’. E nenhum ser humano recebeu da sorte Deus só para si, um Deus tão pequenino para apertar nos braços e cobrir de beijos, um Deus quentinho que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que ri”.

Sim, “nenhum ser humano recebeu Deus só para si”. Recebeu-O para O dar ao todo: para ser consumação do mundo, sentido da vida, horizonto e meta da existência. Mas também companheiro. Por isso, “um Deus que se pode tocar”. Um Deus presente à história. Não para a dominar, para a obrigar a dirigir-se nesta ou naquela direção. Mas para lhe conceder um sentido, qual seja o de fazer dela uma história de salvação, superando os absurdos, as náuseas, os niilismos.

Diz-se que a cultura atual busca novos impérios ou domínios. Já não os dos espaços, demarcados geograficamente por fronteiras, tal como o romano, o otomano, o austro-húngaro. Mas o império do tempo, com o seu ideal da fama, celebridade, imortalidade, da perene juventude. Para isso, corta com o passado, com as narrativas. E, porventura, com Deus e com o sentido.

Os cristãos, porém, integram o tempo na vida e a vida no tempo. Sabem que se recordamos o passado como braços acolhedores que nos sustentaram, estamos mais capacitados para enfrentar o futuro com confiança. E a nossa história começou com um duplo par de braços afáveis: os da mãe biológica que nos resguardou dos frios e dos medos e os da Mãe na fé, que nos faz “tocar” Deus.

Caminhemos em 2020 sustentados por estes braços que nos garantem sentido.

“O espírito do mundo faz esquecer o que é o pecado”

O Santo Padre, hoje, retomando a presidência nas celebrações eucarísticas na Casa Santa Marta, referiu a urgência de não esquecermos a humildade de coração e o outro que está ao nosso lado, ao contrário do que o “mundo de hoje” nos incita.

Transcrevemos alguns excertos comunicados pela Agência Ecclesia:

“O Papa Francisco recordou hoje na sua homilia o apóstolo São João Batista e pediu para dizer “não ao espírito do mundo”, que “faz esquecer o que é o pecado”.

“Jesus, na Última Ceia não pede ao Pai para tirar os discípulos do mundo”, porque a vida cristã está no mundo, “mas para protegê-los do espírito do mundo, que é o contrário”, disse.

Francisco sublinhou que “pior que cometer um pecado” é não saber “distinguir o bem do mal”.

“O espírito do mundo faz esquecer o que é o pecado”, advertiu.

O Papa contou ainda que um sacerdote lhe mostrou um vídeo de cristãos que festejavam o ano novo numa cidade turística, num país cristão, “numa mundanidade terrível, desperdiçando dinheiro e tantas coisas”.

““Isso é pecado? – Não, caro: isso é corrupção, pior que o pecado. O Espírito Santo leva a Deus e, se alguém pecar, o Espírito Santo protege-o e ajuda-o a levantar-se, mas o espírito do mundo leva-o à corrupção, a um ponto tal que não sabe distinguir o que é bom e o que é mau: é tudo a mesma coisa, é tudo igual”, referiu.

O conselho do Papa Francisco é perguntar “uma, duas vezes por dia, ou quando se sente que algo vem à mente: Esta coisa que eu sinto, que quero fazer, de onde vem? Do espírito do mundo ou do Espírito de Deus? Isto vai fazer bem-me ou vai levar-me pelo caminho da mundanidade que é a inconsciência?”.

Francisco aconselhou ainda a um exame de consciência para avaliar “como está o coração”, para que este seja o ponto de encontro com Deus.

“O que é que eu tive vontade de fazer, de pensar? Qual é o espírito que se moveu no meu coração? O Espírito de Deus, dom de Deus, o Espírito Santo que me leva sempre ao encontro com o Senhor ou o espírito do mundo, que me distancia do Senhor”, sugeriu.”

SN (in Ecclesia)

O substantivo “pessoa” está antes do adjetivo “doente”

Diz-nos o Papa Francisco, por ocasião do XXVIII Dia Mundial do Doente, que Jesus é o alívio dos cansados e oprimidos (Cf. Mt. 11,28). A quem vive “na angústia devido à sua situação de fragilidade, sofrimento e fraqueza, Jesus Cristo não impõe leis, mas, na sua misericórdia, oferece-Se a Si mesmo”. Leia na íntegra o texto do Papa Francisco, abaixo.

 

“Queridos irmãos e irmãs!

1. Estas palavras ditas por Jesus – «vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11, 28) – indicam o caminho misterioso da graça, que se revela aos simples e revigora os cansados e exaustos. Tais palavras exprimem a solidariedade do Filho do Homem, Jesus Cristo, com a humanidade aflita e sofredora. Há tantas pessoas que sofrem no corpo e no espírito! A todas, convida a ir ter com Ele – «vinde a Mim» –, prometendo-lhes alívio e recuperação. «Quando Jesus pronuncia estas palavras, tem diante dos seus olhos as pessoas que encontra todos os dias pelas estradas da Galileia: muita gente simples, pobres, doentes, pecadores, marginalizados pelo ditame da lei e pelo opressivo sistema social.Este povo sempre acorreu a Ele para ouvir a sua palavra, uma palavra que incutia esperança» (Angelus, 6 de julho de 2014).

No XXVIII Dia Mundial do Doente, Jesus dirige este convite aos doentes e oprimidos, aos pobres cientes de dependerem inteiramente de Deus para a cura de que necessitam sob o peso da provação que os atingiu. A quem vive na angústia devido à sua situação de fragilidade, sofrimento e fraqueza, Jesus Cristo não impõe leis, mas, na sua misericórdia, oferece-Se a Si mesmo, isto é, a sua pessoa que dá alívio. A humanidade ferida é contemplada por Jesus com olhos que veem e observam, porque penetram em profundidade: não correm indiferentes, mas param e acolhem o homem todo e todo o homem segundo a respetiva condição de saúde, sem descartar ninguém, convidando cada um a fazer experiência de ternura entrando na vida d’Ele.

2. Porque tem Jesus Cristo estes sentimentos? Porque Ele próprio Se tornou frágil, experimentando o sofrimento humano e recebendo, por sua vez, alívio do Pai. Na verdade, só quem passa pessoalmente por esta experiência poderá ser de conforto para o outro. Várias são as formas graves de sofrimento: doenças incuráveis e crónicas, patologias psíquicas, aquelas que necessitam de reabilitação ou cuidados paliativos, as diferentes formas de deficiência, as doenças próprias da infância e da velhice, etc. Nestas circunstâncias, nota-se por vezes carência de humanidade, pelo que se revela necessário, para uma cura humana integral, personalizar o contacto com a pessoa doente acrescentando a solicitude ao tratamento. Na doença, a pessoa sente comprometidas não só a sua integridade física, mas também as várias dimensões da sua vida relacional, intelectiva, afetiva, espiritual; e por isso, além das terapias, espera amparo, solicitude, atenção, em suma, amor. Além disso, junto do doente, há uma família que sofre e pede, também ela, conforto e proximidade.

3. Queridos irmãos e irmãs enfermos, a doença coloca-vos de modo particular entre os «cansados e oprimidos» que atraem o olhar e o coração de Jesus. Daqui vem a luz para os vossos momentos de escuridão, a esperança para o vosso desalento. Convida-vos a ir ter com Ele: «Vinde». Com efeito, n’Ele encontrareis força para ultrapassar as inquietações e interrogativos que vos surgem nesta «noite» do corpo e do espírito. É verdade que Cristo não nos deixou receitas, mas, com a sua paixão, morte e ressurreição, liberta-nos da opressão do mal.

Nesta condição, precisais certamente dum lugar para vos restabelecerdes. A Igreja quer ser, cada vez mais e melhor, a «estalagem» do Bom Samaritano que é Cristo (cf. Lc 10, 34), isto é, a casa onde podeis encontrar a sua graça, que se expressa na familiaridade, no acolhimento, no alívio. Nesta casa, podereis encontrar pessoas que, tendo sido curadas pela misericórdia de Deus na sua fragilidade, saberão ajudar-vos a levar a cruz, fazendo, das próprias feridas, frestas através das quais divisar o horizonte para além da doença e receber luz e ar para a vossa vida.

Nesta obra de restabelecimento dos irmãos enfermos, insere-se o serviço dos profissionais da saúde – médicos, enfermeiros, pessoal sanitário, administrativo e auxiliar, voluntários –, pondo em ação as respetivas competências e fazendo sentir a presença de Cristo, que proporciona consolação e cuida da pessoa doente tratando das suas feridas. Mas, também eles são homens e mulheres com as suas fragilidades e até com as suas doenças. Neles se cumpre de modo particular esta verdade: «Quando recebemos o alívio e a consolação de Cristo, por nossa vez somos chamados a tornar-nos alívio e consolação para os irmãos, com atitude mansa e humilde, à imitação do Mestre» (Angelus, 6 de julho de 2014).

4. Queridos profissionais da saúde, qualquer intervenção diagnóstica, preventiva, terapêutica, de pesquisa, tratamento e reabilitação há de ter por objetivo a pessoa doente, onde o substantivo «pessoa» venha sempre antes do adjetivo «doente». Por isso, a vossa ação tenha em vista constantemente a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer cedência a atos de natureza eutanásica, de suicídio assistido ou supressão da vida, nem mesmo se for irreversível o estado da doença.

Quando vos defrontais com os limites e possível fracasso da própria ciência médica perante casos clínicos cada vez mais problemáticos e diagnósticos funestos, sois chamados a abrir-vos à dimensão transcendente, que vos pode oferecer o sentido pleno da vossa profissão. Lembremo-nos de que a vida é sacra e pertence a Deus, sendo por conseguinte inviolável e indisponível (cf. Instr. Donum vitae, 5; Enc. Evangelium vitae, 29-53). A vida há de ser acolhida, tutelada, respeitada e servida desde o seu início até à morte: exigem-no simultaneamente tanto a razão como a fé em Deus, autor da vida. Em certos casos, a objeção de consciência deverá tornar-se a vossa opção necessária, para permanecerdes coerentes com este «sim» à vida e à pessoa. Em todo o caso, o vosso profissionalismo, animado pela caridade cristã, será o melhor serviço ao verdadeiro direito humano: o direito à vida. Quando não puderdes curar, podereis sempre cuidar com gestos e procedimentos que proporcionem amparo e alívio ao doente.

Infelizmente, nalguns contextos de guerra e conflitos violentos, são atacados o pessoal sanitário e as estruturas que se ocupam da receção e assistência dos doentes. Nalgumas áreas, o próprio poder político pretende manipular a seu favor a assistência médica, limitando a justa autonomia da profissão sanitária. Na realidade, atacar aqueles que se dedicam ao serviço dos membros sofredores do corpo social não beneficia a ninguém.

5. Neste XXVIII Dia Mundial do Doente, penso em tantos irmãos e irmãs de todo o mundo sem possibilidades de acesso aos cuidados médicos, porque vivem na pobreza. Por isso, dirijo-me às instituições sanitárias e aos governos de todos os países do mundo, pedindo-lhes que não sobreponham o aspeto económico ao da justiça social. Faço votos de que, conciliando os princípios de solidariedade e subsidiariedade, se coopere para que todos tenham acesso a cuidados médicos adequados para salvaguardar e restabelecer a saúde. De coração agradeço aos voluntários que se colocam ao serviço dos doentes, procurando em não poucos casos suprir carências estruturais e refletindo, com gestos de ternura e proximidade, a imagem de Cristo Bom Samaritano.

À Virgem Maria, Saúde dos Enfermos, confio todas as pessoas que carregam o fardo da doença, juntamente com os seus familiares, bem como todos os profissionais da saúde. Com cordial afeto, asseguro a todos a minha proximidade na oração e envio a Bênção Apostólica.

Vaticano, Memória do SS. Nome de Jesus, 3 de janeiro de 2020

FRANCISCO”

Mensagem do Papa para a celebração do Dia Mundial da Paz

A PAZ COMO CAMINHO DE ESPERANÇA: DIÁLOGO, RECONCILIAÇÃO E CONVERSÃO ECOLÓGICA

1. A paz, caminho de esperança face aos obstáculos e provações

A paz é um bem precioso, objeto da nossa esperança; por ela aspira toda a humanidade. Depor esperança na paz é um comportamento humano que alberga uma tal tensão existencial, que o momento presente, às vezes até custoso, «pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros dessa meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho».[1] Assim, a esperança é a virtude que nos coloca a caminho, dá asas para continuar, mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis.

A nossa comunidade humana traz, na memória e na carne, os sinais das guerras e conflitos que têm vindo a suceder-se, com crescente capacidade destruidora, afetando especialmente os mais pobres e frágeis. Há nações inteiras que não conseguem libertar-se das cadeias de exploração e corrupção que alimentam ódios e violências. A muitos homens e mulheres, crianças e idosos, ainda hoje se nega a dignidade, a integridade física, a liberdade – incluindo a liberdade religiosa –, a solidariedade comunitária, a esperança no futuro. Inúmeras vítimas inocentes carregam sobre si o tormento da humilhação e da exclusão, do luto e da injustiça, se não mesmo os traumas resultantes da opressão sistemática contra o seu povo e os seus entes queridos.

As terríveis provações dos conflitos civis e dos conflitos internacionais, agravadas muitas vezes por violências desalmadas, marcam prolongadamente o corpo e a alma da humanidade. Na realidade, toda a guerra se revela um fratricídio que destrói o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família humana.

Sabemos que, muitas vezes, a guerra começa pelo facto de não se suportar a diversidade do outro, que fomenta o desejo de posse e a vontade de domínio. Nasce, no coração do homem, a partir do egoísmo e do orgulho, do ódio que induz a destruir, a dar uma imagem negativa do outro, a excluí-lo e cancelá-lo. A guerra nutre-se com a perversão das relações, com as ambições hegemónicas, os abusos de poder, com o medo do outro e a diferença vista como obstáculo; e simultaneamente alimenta tudo isso.

Como fiz notar durante a recente viagem ao Japão, é paradoxal que «o nosso mundo viva a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo. A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer tentativa de as construir sobre o medo de mútua destruição ou sobre uma ameaça de aniquilação total. São possíveis só a partir duma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã».[2]

Toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança e a retirada para dentro da própria condição. Desconfiança e medo aumentam a fragilidade das relações e o risco de violência, num círculo vicioso que nunca poderá levar a uma relação de paz. Neste sentido, a própria dissuasão nuclear só pode criar uma segurança ilusória.

Por isso, não podemos pretender manter a estabilidade no mundo através do medo da aniquilação, num equilíbrio muito instável, pendente sobre o abismo nuclear e fechado dentro dos muros da indiferença, onde se tomam decisões socioeconómicas que abrem a estrada para os dramas do descarte do homem e da criação, em vez de nos guardarmos uns aos outros.[3] Então como construir um caminho de paz e mútuo reconhecimento? Como romper a lógica morbosa da ameaça e do medo? Como quebrar a dinâmica de desconfiança atualmente prevalecente?

Devemos procurar uma fraternidade real, baseada na origem comum de Deus e vivida no diálogo e na confiança mútua. O desejo de paz está profundamente inscrito no coração do homem e não devemos resignar-nos com nada de menos.

2. A paz, caminho de escuta baseado na memória, solidariedade e fraternidade

Os sobreviventes aos bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasáqui – denominados os hibakusha – contam-se entre aqueles que, hoje, mantêm viva a chama da consciência coletiva, testemunhando às sucessivas gerações o horror daquilo que aconteceu em agosto de 1945 e os sofrimentos indescritíveis que se seguiram até aos dias de hoje. Assim, o seu testemunho aviva e preserva a memória das vítimas, para que a consciência humana se torne cada vez mais forte contra toda a vontade de domínio e destruição. «Não podemos permitir que as atuais e as novas gerações percam a memória do que aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno».[4]

Como eles, há muitos, em todas as partes do mundo, que oferecem às gerações futuras o serviço imprescindível da memória, que deve ser preservada não apenas para evitar que se voltem a cometer os mesmos erros ou se reproponham os esquemas ilusórios do passado, mas também para que a memória, fruto da experiência, constitua a raiz e sugira a vereda para as opções de paz presentes e futuras.

Mais ainda, a memória é o horizonte da esperança: muitas vezes, na escuridão das guerras e dos conflitos, a lembrança mesmo dum pequeno gesto de solidariedade recebida pode inspirar opções corajosas e até heroicas, pode colocar em movimento novas energias e reacender nova esperança nos indivíduos e nas comunidades.

Abrir e traçar um caminho de paz é um desafio muito complexo, pois os interesses em jogo, nas relações entre pessoas, comunidades e nações, são múltiplos e contraditórios. É preciso, antes de mais nada, fazer apelo à consciência moral e à vontade pessoal e política. Com efeito, a paz alcança-se no mais fundo do coração humano, e a vontade política deve ser incessantemente revigorada para abrir novos processos que reconciliem e unam pessoas e comunidades.

O mundo não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas convictas, artesãos da paz abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações. De facto, só se pode chegar verdadeiramente à paz quando houver um convicto diálogo de homens e mulheres que buscam a verdade mais além das ideologias e das diferentes opiniões. A paz é uma construção que «deve estar constantemente a ser edificada»,[5] um caminho que percorremos juntos procurando sempre o bem comum e comprometendo-nos a manter a palavra dada e a respeitar o direito. Na escuta mútua, podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de reconhecer no inimigo o rosto dum irmão.

Por conseguinte, o processo de paz é um empenho que se prolonga no tempo. É um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça, que honra a memória das vítimas e abre, passo a passo, para uma esperança comum, mais forte que a vingança. Num Estado de direito, a democracia pode ser um paradigma significativo deste processo, se estiver baseada na justiça e no compromisso de tutelar os direitos de cada um, especialmente se vulnerável ou marginalizado, na busca contínua da verdade.[6] Trata-se duma construção social em contínua elaboração, para a qual cada um presta responsavelmente a própria contribuição, a todos os níveis da comunidade local, nacional e mundial.

Como assinalava o Papa São Paulo VI, «a dupla aspiração – à igualdade e à participação – procura promover um tipo de sociedade democrática. (…). Isto, de per si, já diz bem qual a importância de uma educação para a vida em sociedade, em que, para além da informação sobre os direitos de cada um, seja recordado também o seu necessário correlativo: o reconhecimento dos deveres de cada um em relação aos outros. O sentido e a prática do dever são, por sua vez, condicionados pelo domínio de si mesmo, pela aceitação das responsabilidades e das limitações impostas ao exercício da liberdade do indivíduo ou do grupo».[7]

Pelo contrário, a fratura entre os membros duma sociedade, o aumento das desigualdades sociais e a recusa de empregar os meios para um desenvolvimento humano integral colocam em perigo a prossecução do bem comum. Inversamente, o trabalho paciente, baseado na força da palavra e da verdade, pode despertar nas pessoas a capacidade de compaixão e solidariedade criativa.

Na nossa experiência cristã, fazemos constantemente memória de Cristo, que deu a sua vida pela nossa reconciliação (cf. Rm 5, 6-11). A Igreja participa plenamente na busca duma ordem justa, continuando a servir o bem comum e a alimentar a esperança da paz, através da transmissão dos valores cristãos, do ensinamento moral e das obras sociais e educacionais.

3. A paz, caminho de reconciliação na comunhão fraterna

A Bíblia, particularmente através da palavra dos profetas, chama as consciências e os povos à aliança de Deus com a humanidade. Trata-se de abandonar o desejo de dominar os outros e aprender a olhar-se mutuamente como pessoas, como filhos de Deus, como irmãos. O outro nunca há de ser circunscrito àquilo que pôde ter dito ou feito, mas deve ser considerado pela promessa que traz em si mesmo. Somente escolhendo a senda do respeito é que será possível romper a espiral da vingança e empreender o caminho da esperança.

Guia-nos a passagem do Evangelho que reproduz o seguinte diálogo entre Pedro e Jesus: «“Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”» (Mt 18, 21-22). Este caminho de reconciliação convida-nos a encontrar no mais fundo do nosso coração a força do perdão e a capacidade de nos reconhecermos como irmãos e irmãs. Aprender a viver no perdão aumenta a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens de paz.

O que é verdade em relação à paz na esfera social, é verdadeiro também no campo político e económico, pois a questão da paz permeia todas as dimensões da vida comunitária: nunca haverá paz verdadeira, se não formos capazes de construir um sistema económico mais justo. Como escreveu Bento XVI, «a vitória sobre o subdesenvolvimento exige que se atue não só sobre a melhoria das transações fundadas sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as transferências das estruturas assistenciais de natureza pública, mas sobretudo sobre a progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de atividade económica caraterizadas por quotas de gratuidade e de comunhão».[8]

4. A paz, caminho de conversão ecológica

«Se às vezes uma má compreensão dos nossos princípios nos levou a justificar o abuso da natureza, ou o domínio despótico do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que devíamos guardar».[9]

Vendo as consequências da nossa hostilidade contra os outros, da falta de respeito pela casa comum e da exploração abusiva dos recursos naturais – considerados como instrumentos úteis apenas para o lucro de hoje, sem respeito pelas comunidades locais, pelo bem comum e pela natureza –, precisamos duma conversão ecológica.

O Sínodo recente sobre a Amazónia impele-nos a dirigir, de forma renovada, o apelo em prol duma relação pacífica entre as comunidades e a terra, entre o presente e a memória, entre as experiências e as esperanças.

Este caminho de reconciliação inclui também escuta e contemplação do mundo que nos foi dado por Deus, para fazermos dele a nossa casa comum. De facto, os recursos naturais, as numerosas formas de vida e a própria Terra foram-nos confiados para ser «cultivados e guardados» (cf. Gn 2, 15) também para as gerações futuras, com a participação responsável e diligente de cada um. Além disso, temos necessidade duma mudança nas convicções e na perspetiva, que nos abra mais ao encontro com o outro e à receção do dom da criação, que reflete a beleza e a sabedoria do seu Artífice.

De modo particular brotam daqui motivações profundas e um novo modo de habitar na casa comum, de convivermos uns e outros com as próprias diversidades, de celebrar e respeitar a vida recebida e partilhada, de nos preocuparmos com condições e modelos de sociedade que favoreçam o desabrochar e a permanência da vida no futuro, de desenvolver o bem comum de toda a família humana.

Por conseguinte a conversão ecológica, a que apelamos, leva-nos a uma nova perspetiva sobre a vida, considerando a generosidade do Criador que nos deu a Terra e nos chama à jubilosa sobriedade da partilha. Esta conversão deve ser entendida de maneira integral, como uma transformação das relações que mantemos com as nossas irmãs e irmãos, com os outros seres vivos, com a criação na sua riquíssima variedade, com o Criador que é origem de toda a vida. Para o cristão, uma tal conversão exige «deixar emergir, nas relações com o mundo que o rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus».[10]

5. Obtém-se tanto quanto se espera[11]

O caminho da reconciliação requer paciência e confiança. Não se obtém a paz, se não a esperamos.

Trata-se, antes de mais nada, de acreditar na possibilidade da paz, de crer que o outro tem a mesma necessidade de paz que nós. Nisto, pode-nos inspirar o amor de Deus por cada um de nós, amor libertador, ilimitado, gratuito, incansável.

O medo é, frequentemente, fonte de conflito. Por isso, é importante ir além dos nossos temores humanos, reconhecendo-nos filhos necessitados diante d’Aquele que nos ama e espera por nós, como o Pai do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-24). A cultura do encontro entre irmãos e irmãs rompe com a cultura da ameaça. Torna cada encontro uma possibilidade e um dom do amor generoso de Deus. Faz-nos de guia para ultrapassarmos os limites dos nossos horizontes estreitos, procurando sempre viver a fraternidade universal, como filhos do único Pai celeste.

Para os discípulos de Cristo, este caminho é apoiado também pelo sacramento da Reconciliação, concedido pelo Senhor para a remissão dos pecados dos batizados. Este sacramento da Igreja, que renova as pessoas e as comunidades, convida a manter o olhar fixo em Jesus, que reconciliou «todas as coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como as que estão no céu» (Col 1, 20); e pede para depor toda a violência nos pensamentos, nas palavras e nas obras quer para com o próximo quer para com a criação.

A graça de Deus Pai oferece-se como amor sem condições. Recebido o seu perdão, em Cristo, podemos colocar-nos a caminho para ir oferecê-lo aos homens e mulheres do nosso tempo. Dia após dia, o Espírito Santo sugere-nos atitudes e palavras para nos tornarmos artesãos de justiça e de paz.

Que o Deus da paz nos abençoe e venha em nossa ajuda.

Que Maria, Mãe do Príncipe da paz e Mãe de todos os povos da terra, nos acompanhe e apoie, passo a passo, no caminho da reconciliação.

E que toda a pessoa que vem a este mundo possa conhecer uma existência de paz e desenvolver plenamente a promessa de amor e vida que traz em si.

Vaticano, 8 de dezembro de 2019.

[Franciscus]

 

[1] Bento XVI, Carta enc. Spe salvi, 30 de novembro de 2007, 1.

[2] Discurso sobre as armas nucleares, Nagasáqui – Parque «Atomic Bomb Hypocenter», 24 de novembro de 2019.

[3] Cf. Francisco, Homilia em Lampedusa, 8 de julho de 2013.

[4] Francisco, Discurso sobre a Paz, Hiroxima – Memorial da Paz, 24 de novembro de 2019.

[5] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 78.

[6] Cf. Bento XVI, Discurso aos dirigentes e membros das Associações Cristãs dos Trabalhadores Italianos (ACLI), 27 de janeiro de 2006.

[7] Carta ap. Octogesima adveniens, 14 de maio de 1971, 24.

[8] Carta enc. Caritas in veritate, 29 de junho de 2009, 39.

[9] Francisco, Carta enc. Laudato si’, 24 de maio de 2015, 200.

[10] Ibid., 217.

[11] Cf. São João da Cruz, Noite Escura, II, 21, 8.

Peregrinação da Palavra – Janeiro

O Papa Francisco decidiu que o III Domingo do Tempo Comum (dia 26 de janeiro de 2020) fosse dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus e que deveria ser celebrado de forma solene.
Nesse Domingo é, também, o dia da nossa peregrinação mensal.
Convido-vos a participar nesta grande celebração de Bênção, com a intercessão de Santa Rita e, desta forma, unirmo-nos ao Santo Padre.
Conto convosco.
Pe Samuel Guedes, Reitor

Peregrinação das Grávidas

No passado domingo, neste Santuário de Santa Rita, ocorreu a peregrinação das mães grávidas. Foi um momento muito belo e emotivo, com a presença de 30 senhoras, grávidas.
Presidiu à Eucaristia, o Reitor do Santuário, que reflectindo, sobre os textos do IV Domingo do Advento, exortou todos a contemplar as duas figuras extraordinários do Presépio de Belém, Maria e José: “a atenção de Maria aos apelos de Deus e a sua resposta, incondicional, o seu Sim, tornou possível o acontecimento da Salvação no mundo; e a grandeza de coração de José. Foi por causa do seu coração generoso, que Deus o envolveu nos seus plano de salvação. José tudo aceitou, numa disponibilidade total ao seu Deus. Temos que aprender a dizer sempre sim a Deus, como Maria, e a viver a obediência, como José, diante de Deus.”
Dirigindo-se aos casais que participaram na bênção das grávidas, apelou que “entendessem a vinda de um filho ou filha que está para nascer, como a resposta do Deus bondoso ao sim e obediência que eles próprios souberam dar ao Senhor da Vida. Os Filhos são dons de Deus, não são problemas acrescidos. Que todos os casais saibam ver que Deus continua a precisar da família para manifestar o seu imenso amor pelo mundo”.
No final, como é habitual nas peregrinações mensais, o Reitor do Santuário, deu a bênção com a relíquia de Santa Rita.

Caminhada Diocesana

TODOS AQUI NASCEMOS!

“Todos ali nasceram” (cf. Sl 86/87,5) –exclama o salmista olhando para a cidade santa de Jerusalém. E nós, descendo até essa pequena cidade dos arredores, chamada Belém, encontraremos o Presépio e aí poderemos contemplar o mistério de um Deus feito Homem. Perante o mistério do Natal, também nós poderemos exclamar, com espanto e gratidão: “Todos aqui nascemos”.
Sim. Todos aqui nascemos de novo para uma vida nova. São João afirma, no seu Evangelho: “Àqueles que O receberam e acreditaram no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12). Todos filhos de Deus! Deus nasceu aqui para nos fazer plenamente filhos seus.
O Natal é a festa em que, realmente, todos podemos nascer de novo. “Enquanto adoramos o nascimento do nosso Salvador, celebramos realmente também o nosso nascimento. Efetivamente, a geração de Cristo é a origem do povo cristão; o Natal da cabeça é também o natal do Corpo. Embora cada um tenha sido chamado num momento determinado para fazer parte do povo do Senhor, e todos os filhos da Igreja sejam diversos na sucessão dos tempos, contudo, a totalidade dos fiéis, nascida na fonte do batismo, assim como foram crucificados com Cristo na sua Paixão, ressuscitados na sua Ressurreição, colocados à direita do Pai na sua Ascensão, assim também nasceram com Ele neste Natal” (SÃO LEÃO MAGNO, Sermão 6 no Natal do Senhor). Assim, entre o Natal de Jesus e o Batismo cristão há realmente uma afinidade de raiz: ambos celebram o nascimento pelo qual todos somos dados à luz como filhos de Deus.
No Natal de Jesus, o nascimento do Deus feito Menino, inaugura o nascimento de uma nova humanidade. O Filho de Deus faz-se Homem, para que nós, seres humanos, possamos renascer como filhos de Deus. Vale a pena recordar as belas palavras de São Leão Magno: “Reconhece, cristão, a tua dignidade e, tornando-te participante da natureza divina, não pretendas voltar a cair na condição desprezível de outrora com um comportamento indigno. Recorda-te quem é a tua Cabeça e de que Corpo és membro. Recorda-te de que, arrancado ao poder das trevas, foste transferido para a luz e para o Reino de Deus”.
Eis porque este nascimento de Jesus traz consigo o apelo batismal a renunciar à impiedade e à mundanidade do homem velho, para nos revestirmos do Homem novo. O nascimento do Filho de Deus contém a graça e o apelo a nascer de novo, tal como Jesus o anunciará, um dia, pela noite dentro, a um homem velho chamado Nicodemos (cf. Jo 1,5-7).
O Batismo é, pois, o sacramento do nosso renascimento pela água e pelo Espírito, que Jesus anunciou a Nicodemos, como condição para nascer de novo. É ainda São Leão Magno que explica: “A fonte de vida que [o nosso Redentor]tomou no seio da Virgem, pô-la na fonte do batismo; deu à água o que tinha dado a sua Mãe: porque o poder do Altíssimo e a sombra do Espírito Santo, que fez com que Maria desse ao mundo o Salvador, fazem com que a água regenere a quem crê” (Sermão 5 no Natal do Senhor).
O Natal está aí novamente, para nos fazer lembrar que também nós nascemos de novo e que esta dinâmica de renascimento marca o nosso caminho batismal e deve ser percorrido também neste tempo de preparação e de celebração do Natal de 2019. Porque todos aqui nascemos!

Peregrinação das Mães Grávidas

Peregrinação das Mães Grávidas – 22 de Dezembro de 2019

Na peregrinação de Dezembro, que ocorre no dia 22, queremos convidar todas aquelas que vivem o bonito momento da espera de um filho ou filha:as mães grávidas.

Santa Rita foi mãe de família, teve dois filhos que tanto amava e protegia.

Por sua intercessão, vamos invocar a Bênção de Deus sobre todas as senhoras grávidas que vierem em peregrinação, a este santuário, neste dia.
A celebração eucarística de Bênção será às 10:00h.

Pedimos que façam inscrição, na loja do Santuário, pelo telefone 221 130 232 ou para reitoria@santuariodesantarita.pt.

Gostaríamos de oferecer um pequeno sinal para recordação deste acontecimento. Se se inscrever será mais fácil organizarmos o necessário.

 

63º Aniversário Santuário Diocesano

No próximo Domingo vamos recordar o 63º da declaração da Igreja de Santa Ria como Santuário Diocesano.

D. António Ferreira Gomes, então, Bispo do Porto, por Decreto Episcopal, com data de 26 de Novembro de 1956, declarou a Igreja para onde acorrem tantos peregrinos, Santuário Diocesano:

«Desejamos que este (templo) seja considerando Santuário Diocesano, destinado a honrar a Deus nos seus Santos e de modo muito especial em Sua Mãe, Maria Santíssima, sob os títulos decorrentes do Seu Poder Mediador, pela Sua gloriosa Assunção e coroação como Regina Angelorum e Regina Mundi» (Decreto de D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, 26 de Novembro de 1956)

Este templo remonta ao século XVIII, 1745,  ano da sua fundação, pelos Eremitas de Santo Agostinho. Em 12 de outubro de 1749, procedeu-se à bênção da primeira pedra do atual edificado convento e igreja, portanto estamos a celebrar 270 anos da sua construção.

Neste Domingo, dia de Cristo Rei, na Eucaristia da Peregrinação da Fé, faremos Ação de Graças por todas estas datas, assumindo, como a liturgia prevê, a “festa da dedicação do Santuário”, uma vez que se desconhece a data da sua inauguração.

 

III Dia Mundial dos Pobres: Papa denuncia situações de miséria a nível global

O Papa assinala este domingo o III Dia Mundial dos Pobres, no Vaticano, denunciando a existência de um “túnel” sem fim de miséria, em toda a humanidade, que exclui a maior parte da população mundial, gerando uma situação que será insustentável, a curto prazo.

“A condição de marginalização, em que vivem acabrunhadas milhões de pessoas, não poderá durar por muito tempo. O seu clamor aumenta e abraça a terra inteira”, escreve, na mensagem para o III Dia Mundial dos Pobres, uma celebração instituída na Igreja Católica pelo próprio Francisco.

O texto, divulgado pelo Vaticano no início de junho, denuncia “formas de novas escravidões” a que estão submetidos milhões de homens, mulheres, jovens e crianças, nos dias de hoje.

O Papa evoca, em particular, “os milhões de migrantes vítimas de tantos interesses ocultos”, as pessoas sem-abrigo e marginalizadas e os pobres que procuram, no lixo, algo com que se “alimentar ou vestir”.

A mensagem alerta para a rejeição destas populações na própria arquitetura das cidades contemporâneas, que procura “desembaraçar-se da sua presença mesmo nas estradas, os últimos espaços de acolhimento”.

“Drama dentro do drama, não lhes é consentido ver o fim do túnel da miséria”, adverte.

Aos pobres, frequentemente considerados parasitas da sociedade, não se lhes perdoa sequer a sua pobreza. A condenação está sempre pronta. Não se podem permitir sequer o medo ou o desânimo: simplesmente porque são pobres, serão tidos por ameaçadores ou incapazes”.

A mensagem, com o título ‘A esperança dos pobres jamais se frustrará’, é simbolicamente apresentada no dia da festa litúrgica de Santo António, 13 de junho.

O Papa explica que, com esta escolha de temática, quis mostrar que “esperança perdida devido às injustiças, aos sofrimentos e à precariedade da vida será restabelecida”, convicção que surge como resposta à pergunta “como é que Deus pode tolerar esta desigualdade?”.

Francisco questiona a “retórica” sem consequências com que os responsáveis da sociedade tratam a “multidão de pobres”, cada vez mais marginalizados.

Dirigindo a sua atenção para as comunidades católicas, a mensagem recorda que a ação de Deus em favor dos pobres é uma constante na Bíblia.

“O Deus que Jesus quis revelar é este: um Pai generoso, misericordioso, inexaurível na sua bondade e graça, que dá esperança sobretudo a quantos estão desiludidos e privados de futuro”, realça.

O Papa sublinha que os católicos têm de assumir a responsabilidade de dar “esperança aos pobres” e não apenas uma resposta assistencialista, promovendo uma “mudança de mentalidade para redescobrir o essencial”.

Os pobres não são números, que invocamos para nos vangloriarmos de obras e projetos. Os pobres são pessoas com quem nos temos de encontrar: são jovens e idosos sozinhos que se hão de convidar a entrar em casa para partilhar a refeição; homens, mulheres e crianças que esperam uma palavra amiga. Os pobres salvam-nos, porque nos permitem encontrar o rosto de Jesus Cristo”.

O texto deixa uma palavra de gratidão aos voluntários de todo o mundo e evoca a figura de Jean Vanier, falecido no início de maio, como “grande apóstolo dos pobres”, pela sua ação em favor das pessoas com deficiências profundas, “que muitas vezes a sociedade tende a excluir”.

A mensagem conclui-se com um desafio do Papa, para que este Dia Mundial possa “reforçar em muitos a vontade de colaborar concretamente para que ninguém se sinta privado da proximidade e da solidariedade”.

A celebração do III Dia Mundial dos Pobres acontece este ano a 17 de novembro, penúltimo domingo do calendário litúrgico católico.

À imagem dos anos anteriores, Francisco almoça com um grupo de 1500 pobres, no auditório Paulo VI, do Vaticano, que acolhe 150 mesas para os convidados de Roma e várias dioceses italianas, após a Missa na Basílica de São Pedro. (Retirado de Ecclesia)