Bispo do Porto: “nenhum ser humano recebeu Deus só para si”

    Para muitos, o nome Sartre é sinónimo de uma pura negação: de Deus, do ser, do próprio homem. No seu niilismo, nada tem sentido, nada faz sentido: o mundo, a existência, a vida, tudo é um absurdo que só gera… náusea.

    Curiosamente, de acordo com um belo texto que me enviaram, em 1940, no tempo da guerra, encontrando-se preso num daqueles espaços que dariam origem aos tristemente célebres campos de concentração, quando as circunstâncias o reconduziram às razões da existência e à pergunta sobre o sentido da vida, escreveu um auto de Natal para ser representado na própria cadeia. Ele mesmo terá sido um dos atores.

    Nessa peça, aparece, a dado momento, este parágrafo a respeito da relação entre a Virgem Mãe e o Verbo encarnado: “Olha-O e pensa: ‘Este Deus é meu menino, meu filho. Esta carne é a minha carne, é feito de mim, tem os meus olhos e a forma da sua boca é semelhante à minha, parece-se comigo. É Deus e parece-se também comigo’. E nenhum ser humano recebeu da sorte Deus só para si, um Deus tão pequenino para apertar nos braços e cobrir de beijos, um Deus quentinho que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que ri”.

    Sim, “nenhum ser humano recebeu Deus só para si”. Recebeu-O para O dar ao todo: para ser consumação do mundo, sentido da vida, horizonto e meta da existência. Mas também companheiro. Por isso, “um Deus que se pode tocar”. Um Deus presente à história. Não para a dominar, para a obrigar a dirigir-se nesta ou naquela direção. Mas para lhe conceder um sentido, qual seja o de fazer dela uma história de salvação, superando os absurdos, as náuseas, os niilismos.

    Diz-se que a cultura atual busca novos impérios ou domínios. Já não os dos espaços, demarcados geograficamente por fronteiras, tal como o romano, o otomano, o austro-húngaro. Mas o império do tempo, com o seu ideal da fama, celebridade, imortalidade, da perene juventude. Para isso, corta com o passado, com as narrativas. E, porventura, com Deus e com o sentido.

    Os cristãos, porém, integram o tempo na vida e a vida no tempo. Sabem que se recordamos o passado como braços acolhedores que nos sustentaram, estamos mais capacitados para enfrentar o futuro com confiança. E a nossa história começou com um duplo par de braços afáveis: os da mãe biológica que nos resguardou dos frios e dos medos e os da Mãe na fé, que nos faz “tocar” Deus.

    Caminhemos em 2020 sustentados por estes braços que nos garantem sentido.

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