A igreja e o convento dos Agostinhos

Assim é vulgarmente conhecido este templo que, no documento da sua fundação em 1745 pelos Eremitas de Santo Agostinho, se denomina “Convento de Nossa Senhora do Bom Despacho e Santa Rita”. O conjunto, Igreja e Convento, situa-se nos arredores do Porto, mais concretamente em Ermesinde, Município de Valongo, na quinta denominada da “Mão Poderosa”, doada à “Real Congregação dos Eremitas Descalços de Santo Agostinho” por Francisco da silva Guimarães e sua esposa Francisca Carneiro da Silva (escritura de 6 de Julho de 1745).

Das diversas condições impostas na escritura de doação, consta a obrigação de tomarem de imediato posse dos bens doados e “ocuparem as casas até 3 de Outubro de 1745, dia de Nossa Senhora do Rosário, no qual se festeja a Senhora do Bom Despacho”.

Em 12 de Outubro de 1749 procedeu-se à colocação e bênção da primeira pedra, com solene cerimónia, incluindo a presença do andor de Nª. Sª do Bom Despacho, com esta inscrição: “Anno  Natividade Domini Nostri Jesu Christi MDCCXLIX hoc templum, et gloriam Beatissimae de Bom Despacho denominatae, et Sanctae Ritae de Cassia… ” Seguem-se as referências ocasionais: no lugar da Mão Poderosa, paróquia de S. Lourenço de Asmes, no Pontificado de Bento XIV, Bispo do Porto, D. Fr. José Maria da Fonseca, no reinado de D. João V, na presença do Vigário Geral da Congregação Dr. Fr. António da Anunciação.

Até à extinção das ordens religiosas (1834), este convento desenvolveu à sua volta uma notável atividade cultural, religiosa, devoção a Santa Rita e expansão da fé cristã por todo o mundo português de então, de modo especial no Brasil.

Como todas as instituições, a história do Convento de Nossa Senhora do Bom Despacho e Santa Rita está ligada às vicissitudes históricas do seu tempo. Dois factos contribuíram para a interrupção de toda esta dinâmica do Convento.

Nos inícios do século XIX, perante a crescente ameaça das invasões francesas (1807-1810), o Prior do Convento, Frei João de Santa Cecília, foi alertado pelo então secretário de Estado do Reino para a necessidade de serem tomadas providências relativamente a alguns bens de maior valor, objetos de ouro e prata, bem como alguma da arte pictórica e de estatuária do Convento. O mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ao que parece, foi um lugar escolhido como depósito de tais bens, mas, seja pela pilhagem levada a cabo pelas tropas francesas aquando do saque dessa cidade, seja por qualquer outra razão, o certo é que não há indícios de esses objetos terem, alguma vez, regressado ao Convento.

No cenário das lutas liberais, sobretudo no que concerne ao episódio do Cerco do Porto (1823-1833), o Convento sentiu de perto os efeitos devastadores de uma guerra civil. Ocupado pelo exército de D. Miguel, acabou por servir de Hospital. O adro da Igreja tornou-se sepultura de um número incalculável de mortos dessa guerra fratricida. No rescaldo destas lutas e com a vitória da fação de D. Pedro, são extintas as ordens religiosas, por decreto de Joaquim António de Aguiar, publicado em 30 de maio de 1834.

Expulsos os seus legítimos donos, o Convento, quinta e outros bens são vendidos a particulares. O que a Igreja possuía de maior valor (paramentos, cálices, píxides, custódias, cruz processional, sinos das torres…) foi distribuído por diversas paróquias e instituições, conforme eram requisitadas ao Estado.

A igreja de Santa Rita ficou praticamente fechada até 1894, continuando, mesmo assim, a celebrar-se a festa anual de Santa Rita. O Convento, vago por uns tempos, foi sucessivamente ocupado por outras instituições. Os sucessivos proprietários do Convento tiveram a preocupação de lhe dar sempre uma função cultural na sequência da dinâmica dos frades Agostinhos. Assim, até 1894, funcionou o Colégio da Formiga, frequentado, principalmente por filhos de famílias “miguelistas” que não puderam emigrar após a vitória de D. Pedro. Extinto este Colégio, por falta de frequência, em 1894 nova instituição veio ocupar as instalações do  Convento: Colégio do Espírito Santo, orientado pelos padres dessa Congregação.

“A igreja era propriedade do Estado, mas um decreto de 16 de janeiro de 1895 cedia o uso dela ao Seminário destinado à formação de missionários para as Colónias Portuguesas”. (Da carta de P. Clemente Pereira da Silva, S. Sp. Paris, Fevereiro de 1960, aos antigos alunos, na Reunião do cinquentenário da extinção do Colégio do Espírito Santo)

A partir da cedência do uso da Igreja aos padres da Congregação do Espirito Santo, tudo mudou: celebração eucarística diária e dominical, tempos litúrgicos de Natal e Páscoa precedidos de preparação condigna, festa de Santa Rita solenizada e preparada com rigor e brilhantismo. Os fiéis começaram a afluir à igreja que tanto amavam e que tanto tempo esteve esquecida.

Era então proprietário do Convento José Joaquim Ribeiro Teles. Foi este proprietário que empreendeu importantes obras de conservação da Igreja e do Convento. Mais tarde, já em 1933, o mesmo proprietário, fez doação da quinta e Convento à Diocese do Porto. Este Colégio do Espírito Santo encerrou por nova expulsão das Ordens Religiosas nos alvores da República.

A igreja e o convento

A construção da Igreja e Convento teve início em 1749 e prolongou-se por décadas seguintes. Aquando a extinção das Ordens religiosas (1834) faltava ainda construir o Claustro.

A igreja e Convento constituem um notável conjunto de Arquitetura Barroca, da época de D. João V. Na sua fachada imponente, ladeada por duas torres, sobre a porta principal, sobressai a imagem de Santo Agostinho num nicho requintadamente trabalhado; no remate entre as duas torres, a Águia Bicéfala, símbolo da casa Imperial da Áustria. As cabeças da águia sustentam no bico, a da direita, um cinto de cabedal com fivela e a da esquerda, um tinteiro com caneta de pena, símbolos da Regra dos Agostinhos Descalços: a Sabedoria e a Disciplina.

À escadaria nobre, gasta pelo tempo, que dá acesso à Igreja, juntou-se uma outra para entrada independente do Colégio, numa conjunção feliz, de autoria do Arquiteto Mário Morais Soares.

O interior constitui um amplo espaço harmonioso, com seis altares laterais de estilo da época da sua construção. Da estatuária desses altares merece especial referência as imagens da mesma época, S. José, O Senhor na Cruz e S. Nicolau Tolentino.

Na parte posterior do corpo da igreja, encontram-se seis pinturas referentes a momentos da vida de Santo Agostinho

O retábulo do altar-mor é de época posterior, finais do sec. XIX. Originariamente pintado de branco com pequenos filetes imitando dourado, foi posteriormente recoberto de tom castanho como que imitando madeira. Não sendo da época dos restantes altares, nas obras efetuadas nos anos setenta do sec. XX, optou-se, por sugestão do arquiteto e mais responsáveis da obra, dar-lhe o aspeto que hoje apresenta. (Desconhece-se o paradeiro do altar-mor primitivo).

Neste retábulo da capela-mor destacam-se as imagens de Santo Agostinho (com insígnias de bispo e coração inflamado na mão – símbolo do seu amor apaixonado a Jesus Cristo) e Santa Mónica, mãe de Santo Agostinho e, ao centro, a imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho, que sobressai pela sua estatura e beleza.

Na capela-mor, dum e doutro lado, duas pinturas em tela, de autor desconhecido, representando a cena da Anunciação e a “Parentela” de Jesus Menino, no regaço da Mãe, brincando com João Batista.

A capela de Santa Rita

Para melhor recolhimento dos devotos que acorrem a este templo para venerarem Santa Rita, adaptou-se um espaço, como capela, onde se colocou a sua imagem. Esta é uma bela imagem do sec. XVIII, com o estigma na fronte, palma com três coroas e crucifixo na mão esquerda. O espinho na fronte e o crucifixo na mão são referências ao seu amor e meditação da Paixão de Cristo. A palma, na iconografia cristã, é símbolo do martírio e as três coroas representam as três grandes virtudes: humildade, sabedoria e fortaleza. A interpretação mais corrente, no caso de Santa Rita, é referência à sua heroicidade nos três estados de vida: solteira, casada e monja.

Este espaço surgiu na sequência das obras efetuadas na década de setenta do século XX. Foi necessário consolidar toda a estrutura do telhado que ameaçava ruir devido ao estado de degradação das traves mestras que o sustentam. Este trabalho levou a refazer toda a abóbada de tabique e gesso, pintura interior, limpeza e retoque das telas, talha e douramento dos altares. Deu-se o aspeto hoje existente ao retábulo do altar-mor que estava pintado de castanho na sua totalidade. Refez-se todo o piso da Igreja, supedâneo e mesa do altar, novas portas e janelas. A estrutura do coro alto não dava garantias de segurança e, pensando já na possibilidade de um futuro órgão de tubos, refez-se em betão.

A Igreja de Santa Rita, assim como foi espoliada ao longo da sua história por diversas circunstâncias do tempo, também mereceu sempre dos seus responsáveis o cuidado de repor, conforme as possibilidades, a sua dignidade perdida: diversas intervenções de conservação, aquisição de alfaias de culto, reposição dos sinos que tinham desaparecido no turbilhão da expulsão dos frades em 1834.

Os textos desta página são da autoria do Reverendo Padre Avelino Silva.

X