No dia 1 de janeiro de cada ano, celebra-se o Dia Mundial da Paz. Este dia ganha significado redobrado pelo momento pandémico que vivemos, um tempo de “superar ódio”, um tempo de nos “sentirmos todos mais irmãos”, um tempo “de construir e não de destruir”, um tempo de cuidar dos “outros e da criação”. Fica aqui em registo, as palavras do nosso Bispo do Porto, D. Manuel Linda.
““O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz”.
Era esta a fórmula de bênção que o sacerdote de serviço pronunciava sobre o povo, após o sacrifício da manhã, no templo de Jerusalém. Agora, colocada como a primeira entre as leituras desta Missa, na manhã do novo ano civil, remete a nossa mente para a beleza da novidade que se inaugura no mundo, fruto da colaboração da Virgem Santa Maria com a vontade salvífica divina, e faz-nos contemplar as maravilhas de Deus, a exemplo das que os pastores viram com seus próprios olhos. Sim, no mistério do nosso Deus não se regressa ao passado, ao acabrunhante, ao velho e fora de tempo. N’Ele e com Ele somos chamados a celebrar continuamente os prodígios do seu amor, o encanto da sua presença amorosa junto de nós e a sua vontade salvífica.
Este é o plano de Deus, de que fala S. Paulo na segunda leitura, plano pelo qual a humanidade ansiava e se cumpre agora, no presépio. Passa por uma ação impagável de Deus que o Apóstolo define em termos de “resgate”, ou seja, retirar-nos do domínio do mal, dar-nos o seu Espírito, criar uma tal familiaridade que nos permita a ousadia de O chamar “paizinho” e recebermos a honra da filiação adotiva. O resgate que Deus realiza em Jesus Menino é a certeza de que a nossa vida pessoal e coletiva e mesmo a história do mundo, embora na liberdade de opção, não mais estão condenadas a desenrolar-se sob o signo do mal e da morte, mas do lado de Deus e da vida.
Ora, todo o resgate supõe duas atitudes básicas: um amor que o motiva e um custo a pagar. Neste caso, como é fácil de ver, o amor é o próprio ser de Deus: “Deus é amor” (1 Jo 4, 8). O custo é o cuidado que Deus tem por nós e pela humanidade inteira, criaturas muito, muito valiosas a seus olhos.
O cuidado. Como sabemos, hoje é também o Dia Mundial da Paz. Para esta efeméride, o Papa Francisco escreveu uma notável mensagem baseada neste tema e a que colocou o significativo título: “A cultura do cuidado como percurso de paz”. Não pretendo resumi-la, mas colher dela a grande vertente orientadora.
O cuidado para com alguém é sempre um ato de amor que exige empenho. Pensemos no exemplo máximo dos pais para com o seu bebé como, certamente, foi o caso de Maria e José na relação com Jesus. Quantas e quantas noites sem dormir; quanta preocupação e cuidado; quantos trabalhos de higiene que têm de ser feitos por mais que custe; quanto pão é preciso ganhar para que a nova boca o possa comer! Mas tudo isso se faz com uma alegria indescritível de tal forma que, criar um filho é, sem dúvida, o mais estimulante que pode acontecer. O cuidado pode custar, mas gera alegria!
Se é assim no núcleo familiar, a cultura do cuidado também se pode e deve alargar a todos os setores da sociedade. Porque Deus é Pai comum de todos, é possível, de facto, ampliar as fronteiras da família até ao círculo dos vizinhos e conhecidos; é possível encarar de frente o outro e ver nele um irmão, seja qual for a cor da pele, a raça, a religião ou a condição social; é possível olhar para os pobres, estejam perto ou longe de nós, e fazer nossas as suas angústias e misérias; é possível cultivar e guardar o jardim deste mundo que Deus criou e cujo cuidado nos confiou; é possível olhar para o Alto e ver aí o “grande seio” acolhedor e libertador.
A pandemia que nos massacrou em 2020 exigiu uma específica cultura do cuidado. E ela verificou-se, em parte! Evidentemente, os problemas do nosso mundo não ficaram resolvidos e o sofrimento ainda não passou. Mas as atitudes adotadas pela maioria fazem-nos antever um futuro mais humano e mais solidário. Mais de cuidado mútuo e menos de desinteresse ou individualismo. De facto, como tem sido belo ver o empenho de tantos a nível do socorro e do tratamento sanitário, nas ações de voluntariado dirigidas aos mais atingidos pela crise, na revalorização da família, na investigação científica para o bem de todos, na procura de solução conducentes a novas políticas sociais em favor dos doentes e idosos, no tatear modelos de uma economia mais solidária, em formas de relacionamento internacional que auguram a substituição da velha «guerra fria» por uma cooperação em que todos lucram, na sensibilidade para com a causa da natureza e preocupação ecológica, etc.
Diz o nosso povo que “há males que vêm por bem”. Se a pandemia gerar uma nova cultura do cuidado, como se espera, então compensam-se e valeram a pena as dores que nos causou. E para nós que acreditamos no tal “resgate” que Deus operou ao retirar-nos do mal para o reino da sua família, encaramos o futuro com esperança, alegria e entusiasmo. Os acontecimentos do ano 2020 “ensinam-nos a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade”. E ela há de acontecer. Creio que aprendemos a lição.
É o que pedimos a Deus por intermédio de Santa Maria, sob cuja proteção começamos este novo ano. Por intermédio dela, o Senhor nos abençoe e nos proteja. O Senhor faça brilhar sobre nós a sua face e nos seja favorável. O Senhor volte para nós os seus olhos e nos conceda a paz.
Bom ano!”