Homilia de Sua Excelência Revma D. Edgar Peña Parra, Substituto da Secretaria de Estado do Vaticano

    Santuário de Santa Rita – Ermesinde

    20 de fevereiro de 2022 

     

    Excelências Reverendíssimas,

    Reverendo Padre Reitor,

    Reverendos Padres, Religiosos e Religiosas,

    Irmãos e Irmãs,

    Feliz por celebrar convosco o Dia do Senhor neste Santuário, trago a saudação e a bênção do Santo Padre para todos vós, amados irmãos e irmãs! De bom grado partilho alguns pensamentos que suscitou em mim a Palavra de Deus, agora proclamada. Em abono da verdade, tenho de dizer que o texto evangélico de hoje não parece exigir particulares comentários; mas, sim, muita coragem para ser posta em prática. «Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam; bendizei àqueles que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos maltratam» (Lc 6, 27-28): são palavras que deixam fora de cena uma conduta religiosa «prudente»; palavras que chegam mesmo a subverter o bom senso: desde que existe o homem na terra, ao mal responde-se com o mal e ao bem com o bem.

    Jesus vai além disto, muito mais além, até ao inverosímil, chegando a pontos de pedir o amor aos inimigos, de dizer: «dá a todo aquele que te pedir e, ao que levar o que é teu, não lho reclames» (6, 30). Notemos que não atenua sequer o conceito, ajuntando que, entretanto, a pessoa que pede deve pelo menos fazê-lo com gentileza, ou que o inimigo deve dar algum sinal de degelo. Fica-se estonteado e apetece perguntar: como é possível? O Senhor não sabe que, seguindo à letra este Evangelho, nós, discípulos, viveríamos como perdedores e muitos se aproveitariam de nós? Mas Jesus não quer saber; antes, aumenta a dose e, alguns versículos depois, reitera o conceito, repete – um facto muito raro no Evangelho de Lucas – o que disse: «Amai os vossos inimigos» (6, 35). Para cúmulo da surpresa, notemos que o Senhor não nos dirige piedosas exortações ou convites declináveis, mas exigências concretas e taxativas.

    Uma coisa, porém, há que sublinhar: Jesus não pretende que se nos tornem agradáveis os nossos inimigos, nem que demos a quem quer que seja. Não nos pede para forçar as sensações: de facto, segundo as suas palavras, os inimigos permanecem inimigos e dar continua a ser um sacrifício. Ele sabe que não é possível iludir o sentimento que nos vem do coração. Mas recomenda que nos empenhemos ao nível de opções, seguindo um único critério: responder ao mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e tomando nós a iniciativa, sem esperar que os outros mudem e se arrependam. Em última análise, Jesus não nos pede que nos comprazamos, mas que nos amemos. E amar-nos é uma coisa muito concreta, segundo o que Ele acrescenta: «fazei bem e emprestai, sem nada esperar em troca» (Lc 6, 35). Perante esta radicalidade, surgem espontaneamente pelo menos duas perguntas. A primeira: por que motivo o Senhor chega ao ponto de nos pedir tudo isto? A segunda: como podemos pô-lo em prática?

    Porque é que Jesus nos pede isto? O Evangelho avança um motivo só: para ser «filhos do Altíssimo, que é benigno para com os ingratos e os maus» (6, 35). É o único motivo! De facto, o Senhor resume tudo, dizendo «sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso» (6, 36). Esta é a diferença – reiterada três vezes –com quantos Jesus chama «pecadores»: são aqueles que não conhecem o Pai e, por conseguinte, vivem segundo padrões de juízo puramente humanos. Ser ícones do amor do Pai: eis a diferença dos cristãos no mundo. Queridos irmãos e irmãs, muitas vezes temo-nos distinguido e distinguimo-nos como cristãos pelo que acreditamos, pelas posições que assumimos a respeito de Deus, do homem, da sociedade, das opções morais e políticas. Hoje, porém, o Evangelho leva-nos a uma essencialidade radical: testemunhar o modo de proceder do Pai, o seu amor incondicional e fiel por todos, sem cálculos nem distinções. Eis a diferença cristã: viver sem ser contra alguém, mas por todos. É exigente; todavia, segundo o Senhor, é o melhor caminho para evangelizar, porque é o que melhor revela o Pai. E nisto, caríssimos, creio que cada um de nós precisa de melhorar.

    Passemos então à segunda e fundamental questão: Como colocar em prática o que Jesus pede? Alguém disse que, entre o dito do Evangelho e a sua prática, há a mesma diferença que subsiste entre a música escrita e a música tocada. Continuo no contexto da metáfora musical, inspirando-me no grande órgão de tubos deste Santuário, cujo vigésimo aniversário recordamos hoje. Como se sabe, o órgão, apesar de composto por mecanismos mecânicos refinados que são acionados pelo toque humano, conta-se entre os instrumentos musicais «de sopro» em que o som se deve principalmente às modulações do ar e não tanto à percussão humana. Deixando a metáfora… Para que a partitura do Evangelho seja executada no mundo, não bastam mecanismos pastorais comprovados e em bom funcionamento. É preciso «um sopro», um ar puro que vem de fora e não pode ser fabricado. É necessário o Espírito Santo. É Ele o sopro divino que transforma os nossos gestos e o nosso compromisso naquela «música da alma» que toca os corações e muda a história. Caso contrário, todo o esforço é vão.

    Pensemos no exemplo talvez mais eloquente a este respeito: o dos apóstolos, colunas da Igreja. A sua história está repleta de incongruências e fracassos, que os Evangelhos não escondem. Mas a partir do momento em que desceu sobre eles o Espírito Santo, teve lugar uma mudança irreversível. A sua humanidade não se tornou perfeita e irrepreensível, mas operou-se neles uma inversão: se antes o centro da vida era o próprio eu, depois do Pentecostes o centro passou a ser Deus, e o objetivo da vida era imitá-lo, sem medo de amar até à loucura e até passar através da cruz para se assemelharem a Ele. Por isso o Espírito Santo é o segredo para ajustar a nossa vida à harmonia do Evangelho. Com Ele, é possível viver tudo o que Jesus nos pede hoje.

    Ao contrário, sem o Espírito de amor, não seremos capazes de amar como Jesus deseja. Isto, já nós o sabemos; o mais difícil é traduzir na prática esta convicção, ou seja, recordar-se de rezar ao Espírito Santo para que intervenha precisamente nisto: na nossa capacidade de amar. Com frequência, pedimos-Lhe inspiração, conselho, fortaleza, ajuda para iniciativas pessoais e eclesiais, mas seria conveniente pedir-Lhe com insistência a capacidade de cumprir aquilo que o Senhor recomenda acima de tudo: pôr em prática o mandamento do amor. Ser-nos-á útil habituar-nos a invocar o Espírito e dirigir-nos a Ele mediante a Palavra que Ele próprio inspirou. Sendo assim, por que não dedicar alguns momentos nos próximos dias para O invocar e reler o Evangelho de hoje? Poderíamos deixar este pequeno texto na mesinha de cabeceira e, ao longo de toda a semana, assimilá-lo na oração. Fazer ressoar em nós as suas palavras é o primeiro passo para as acolher e pôr em prática.

    Um Padre da Igreja, Santo Isaac de Nínive, escreveu uma coisa surpreendente a propósito das deficiências dos cristãos. Escreveu que «o maior pecado é não acreditar nas energias da ressurreição» (Sermões Ascéticos, I, 5). Pode parecer uma afirmação estranha, mas é plenamente coerente com o que temos vindos a dizer. Quer-nos dizer que a culpa dos crentes e das comunidades cristãs ao longo dos séculos foi, acima de tudo, nivelar-se, não acreditar profundamente nas «energias» que só o Espírito Santo, autor de toda a ressurreição, provê. De facto, só Ele é que introduz no mundo uma vida nova, a do amor que dá a vida, capaz de superar os limites da condição humana.

    Caríssimos, este santuário recorda-nos que o Espírito está em ação e realiza maravilhas nos homens. Um exemplo disso são os Santos, que O deixaram agir nas suas vidas, e um modelo excelente disto mesmo é Santa Rita, a quem está dedicado este templo. Pensemos nesta jovem do século XIV, filha de pais idosos que se opunham à sua vocação religiosa e deram-na em casamento a um jovem de temperamento colérico e impetuoso. Confiante na Providência, Rita conseguiu transformar o caráter do marido, através duma santa paciência evangélica e da caridade extraordinária que hauria da fé. Viveu depois a tragédia da morte violenta do marido, assassinado numa emboscada, e o medo pela sorte dos filhos, envolvidos na série de vinganças que se desencadeara. A este mal, respondeu sempre com as armas do bem, com a tenacidade da oração e a generosa oferta da vida. Quando, finalmente, pôde consagrar-se ao Senhor, viu o seu pedido rejeitado por três vezes. Finalmente aceite, viveu quarenta anos de intensa vida religiosa, rica em obras de pacificação entre as fações do país, sem considerar inimigo nenhum daqueles que lhe tinham feito mal a ela e à sua família.

    Esta vida representa uma extraordinária melodia evangélica. Habitualmente esta Santa é representada diante do Crucifixo, muitas vezes com um espinho da coroa de Cristo espetado na testa, em memória dum episódio místico que a carateriza. Isto é ilustrativo também para nós: o Senhor redimiu o mundo com a cruz e pede-nos para continuar a sua obra com a força suave do Espírito e segundo os seus caminhos, purificando o mal do mundo unicamente com o ar puro do Evangelho. Neste sentido, somos chamados a transformar, com humildade e perseverança, o mal em bem: fazer como as árvores, que absorvem a poluição e a transformam em oxigénio. Santa Rita é conhecida como «a santa dos impossíveis». Mas a sua vida extraordinária de mulher, esposa, mãe e religiosa não recorreu a meios fulgurantes e extraordinários; moveu o impossível com a terna força da cruz e a docilidade ao Espírito Santo.

    Amados irmãos e irmãs, hoje gostaria de rezar para que o Espírito desperte em cada um de nós a beleza da própria vocação: sermos ícones vivos do Pai no mundo, templos do Espírito Santo, membros que se unem a Cristo no seu sacrifício de salvação. Que o pensamento da sublimidade da nossa vocação aumente o nosso zelo e nos motive dia a dia a «tornar música o Evangelho» onde vivemos.

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